E foi graças a essa particularidade do cérebro esquecer que acabei me esquecendo da última vez que a operadora ofereceu um novo celular em troca de meus pontos acumulados. A experiência doeu tanto que serviu de inspiração para a crônica "Prêmio e Castigo". Agora minha operadora de celular voltou a me inspirar.
Sim, ganhei outro aparelho e, num surto de amnésia que me deixou indiferente à dor, fui correndo à loja em busca do prazer de um modelo mais moderno.
- Para receber o aparelho novo o senhor precisa assinar uma linha pré-paga no velho - explicou a moça.
Protestei, mas ela disse que aquela era a condição, que eu ganhava 32 reais de bônus para gastar à vontade, e que depois era só cancelar a linha. Quem é capaz de resistir a tanto prazer? Fui na conversa da moça, que provavelmente me enrolava para atingir sua quota de vendas. Aceitei.
Depois de duas ligações usando o aparelho velho, preferi jogá-lo numa gaveta sem me preocupar em gastar o saldo. Ficou lá até aparecer uma cobrança de 32 reais. Liguei para a operadora, ouvi todas as músicas da espera e pedi para cancelar a linha que nunca quis.
- Para cancelar o senhor precisa pagar os 32 reais. O bônus só vale para quem não desiste.
Paguei para desistir.
Um mês depois, nova conta, mais 32 reais. Liguei, ouvi todo o repertório musical e fui atendido pela atendente da triagem que, depois de ouvir minha história de dezoito páginas, passou para o setor de cancelamentos. Reprisei a história e a nova atendente mostrou-se indignada.
- Como o senhor pode ter recebido nova cobrança?! Isso está errado! Sua linha foi encerrada há um mês no sistema! Estou vendo bem aqui. O senhor não pode receber cobrança!
Quase acreditei ter encontrado uma aliada do outro lado da linha.
- Então você vai providenciar...
- Não, senhor, isso é com o departamento de contas e daqui não dá para transferir. O senhor precisa ligar lá...
Entendi. O call-center do cancelamento deve ficar em Porto Alegre e o de contas em Belém do Pará. Por isso as meninas nunca se encontram. Nova ligação, mais música de espera e, finalmente, a atendente da triagem.
- Não posso transferir o senhor para contas porque meu sistema está fora do ar e não tenho como verificar suas informações. Em um prazo de 5 dias o senhor terá uma resposta. Anote o número do protocolo de seu chamado...
Já nem anoto mais esses números porque nunca me serviram. Mas vou repetindo com a atendente como se estivesse anotando.
- Cinco... zero... seis... você disse seis ou meia-dúzia?
A bateria está quase acabando, por isso é melhor encerrar esta crônica contando que há pouco recebi um e-mail (sim, minhas súplicas também foram por e-mail) que diz:
"...na data de hoje efetuamos a retificação do valor de R$ 32,00 cobrados indevidamente em sua fatura."
Retificação do valor significa que não preciso mais pagar ou que agora vou pagar um valor retificado? Bem, vou esperar para ver se meu nome não vai para o cartório.
Tem gente louca para saber o nome da operadora. Não digo. Afinal, ela não me proporciona só dor, mas seu atendimento também me dá prazer. Não estou louco, não. Anote aí esta dica e você vai passar a gostar de esperar pela atendente:
Coloque o telefone no viva-voz e continue trabalhando, como eu fiz durante todo o tempo da espera. Se quiser sofisticar, ligue num amplificador.
O que? Sua operadora toca "Pour Elise", a música do caminhão de gás? É por isso que não troco a minha. É a que oferece o melhor repertório de espera. Hoje ouvi um programa inteiro só de bossa-nova.
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Muito bom mesmo, gostei do texto, é pena que essa situação acontece e nada acontece para mudar isso, é o negócio chamado progresso no atendimento e qualidade na prestação de serviço ao CLIENTE.
ResponderExcluirNicinha Fernandes