O ex-bóia-fria de Cruzeiro D'Oeste está feliz. A expressão compenetrada do atleta esconde um secreto sorriso de vitória. Uma olhadela por sobre os ombros revela que seus competidores estão longe, muito longe. Passadas ritmadas vão comendo o asfalto que cobre as pegadas deixadas por Feidípedes há 2500 anos, quando correu de Maratona a Atenas para anunciar a vitória dos gregos sobre os persas. E morreu.
Vanderlei Cordeiro de Lima não vem de uma batalha, mas vai ao encontro de uma. Entre ele e o Ouro no estádio de Kallimarmaro – o "melhor mármore" – há um adversário circunstancial chamado Cornelius Horan. A pista é invadida e, numa fração de segundo, aquele que corria rumo à vitória desaba no chão. É o fim.
Ninguém quer menos que a vitória. É por ela que corremos. Fomos condicionados a tirar dez nas provas, ser o mais rico, o mais feliz, o mais bonito. Ninguém quer ser vice. Vivemos de olho no Ouro. Por que será que não nos ensinaram que existe mais? Por que nunca nos falaram da Medalha de Pérola?
Freada brusca não acontece só em Atenas. Quando menos esperamos somos agarrados, contra a vontade, por circunstâncias que nos lançam ao chão. É complicado levantar e retomar o ritmo enquanto assistimos, impotentes, o Ouro e a Prata passando por nós. Quiçá na poeira vai também o Bronze e não sobra para nós nem uma Medalha de Lata.
Detesto livros de auto-ajuda que ensinam o ego a ficar gritando que você já é campeão antes do fim da competição. Na maratona da vida não existe podium intermediário. Só um no fim. Enquanto não chegar lá, nem pense que sua corrida terminou. A vida está cheia de derrotas e minha mãe sabiamente acrescenta que “se a vida na Terra fosse boa ninguém iria querer viver no Céu”. Prefiro o Livro que narra uma aparente derrota – uma morte inglória – que se transforma em linha de partida e de chegada, não de vencedores, mas de “mais que vencedores”.
A lista dos incidentes que podem ocorrer na maratona da vida é interminável. Todos experimentamos alguns dos mais comuns: a perda de alguém, uma demissão inesperada, uma doença que nos invalida ou uma falência não requerida. A derrota está à distância de uma queda da vitória, não importa sua estatura.
Eu mesmo já experimentei dessas puxadas de tapete que causam guinadas. Porém descobri depois que a carta do senhorio, avisando que o apartamento sob meus pés tinha sido vendido, seria a largada para os cem metros rasos que me separavam de um lugar melhor. Ou que o anúncio do chefe, de que os custos a serem cortados incluíam minha cabeça, serviria de vara para um salto muito maior.
Até na piscina dos casamentos fracassados eu me afoguei, depois de mais de vinte anos de um nado que parecia sincronizado. Quando pensava que bastava ser pai, precisei aprender a também ser mãe de três filhos, inclusive um especial, para conservar a doçura do quadrinho que na porta diz: "Lar Doce Lar".
Na hora da queda, de nada adianta ficar agarrado ao irlandês das circunstâncias. É preciso continuar correndo para deixá-lo para trás. Se o fracasso apenas nos derruba, é a nossa ocupação com ele que nos derrota.
Para as ostras, a adversidade vem quando literalmente entra areia. Se você se irrita com uma pedrinha no sapato, imagine a ostra, que é toda sapato. Mas a adversidade que a machuca serve de estímulo para ela deixar a zona de conforto – se é que ostra vive confortável. Seu organismo libera substâncias que transformam a adversidade em algo mais belo e resistente do que o Kallimarmaro, sem as incômodas arestas da derrota. É assim que surgem as pérolas.
No dia seguinte à maratona olímpica todos os jornais do mundo traziam a foto do vencedor na capa. Não, não estou falando do italiano que ganhou a Medalha de Ouro – qual era mesmo o seu nome? Estou falando daquele que transformou a adversidade em vitória, o perdão em exemplo e escreveu seu nome na história. O brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima que ganhou a Medalha de Pérola nas Olimpíadas de Atenas.
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