A figura do velhinho barrigudo e simpático que hoje vemos nos anúncios foi uma criação do artista Haddon Sundblom que, por sinal, era seu próprio modelo. Nariz e bochechas vermelhas deixavam claro que refrigerante não era exatamente a bebida preferida do modelo-artista.
Por 33 anos os dois velhinhos -- criador e criatura -- mandaram bem e acabaram fixando na mente do público um dos mais marcantes símbolos de todos os tempos. Quer saber o segredo da Coca-Cola? O da fórmula eu não posso contar aqui, mas o do Papai Noel eu conto.
Como fez Walt Disney, ressuscitando Branca de Neve e a Bela Adormecida de empoeiradas fábulas de domínio público, a Coca-Cola recontou uma velha história acrescentando requinte, apelo visual e consistência. O novo Papai Noel pasteurizado substituiu velhos Papais Noéis magros, gordos, altos e baixos e com um guarda-roupa que, além do vermelho, incluía o verde, o azul, o violeta, e até casaco de peles. A nova história prevaleceu.
São as boas histórias que constroem os comportamentos, só alterados por histórias ainda melhores. Quando você tenta vender algo para alguém, o que faz nada mais é do que contar uma história boa o suficiente para substituir aquela que a pessoa tem em mente. Qual? Que seu produto é caro, que não tem qualidade, que o do concorrente é melhor, que não precisa comprar agora, que há coisas mais importantes etc. Somente uma história melhor poderá causar um reset mental, reprogramar o cérebro do cliente e puxar a sardinha para a sua brasa.
O estado da arte da propaganda continua sendo sua capacidade de contar boas histórias, e uma das mais belas é, sem dúvida alguma, a contada por Baz Luhrmann. Protagonizada por Nicole Kidman e Rodrigo Santoro, essa história perfuma nossas mentes com um aroma visual de "Channel No. 5" que permanece.
À semelhança do Papai Noel da Coca-Cola e dos clássicos da Disney, a história de 120 segundos tem como música de fundo, "Claire de Lune", de Claude Debussy, campeã de downloads no século 19 e presença obrigatória em filmes românticos desde os irmãos Lumière. O cenário também é familiar: "Moulin Rouge", filme de 2001 com a mesma Nicole Kidman. A força da nova versão está em substituir a tragédia sombria do filme por um romance de expectativa que deixa para a imaginação a possibilidade de um final feliz.
No cinema o diretor quis ver Nicole Kidman pelas costas, fazendo com que a bela personagem morresse de tuberculose escarrando sangue. Na nova história o público a vê no final, também pelas costas, só que agora perfumada e linda, com um "No. 5" de diamantes pendendo brilhante no decote de trás. Meu HD mental alegremente substituiu a velha história pela nova.
Mulheres sempre foram o tema principal das histórias da propaganda e Haddon Sundblom sabia disso. Ele esteve entre os artistas que pintaram as "pin-up girls" usadas nos anúncios das décadas de 30 em diante. O termo significa literalmente "garotas penduradas", por representarem mulheres sensuais em calendários pendurados nas paredes. Eram as modelos de então, uma profissão hoje muito disputada por quem não sabe que a maioria vive pendurada e só uma minoria não.
Apesar de ter imortalizado o Papai Noel como hoje o conhecemos, não se sabe a razão de Haddon terminar sua carreira desfigurando a história que ajudou a contar. Seu último trabalho, aos 73 anos, foi uma Mamãe Noel para a capa da edição de Natal de 1972 da Playboy. Não pegou. A nova Noel foi rejeitada pelas crianças não lactentes e a história do velhinho rechonchudo continuou líder de audiência. Só não se sabe até quando.
A crescente preocupação da sociedade com a obesidade e a corrida das indústrias de refrigerantes rumo aos sucos, chás e bebidas light acena para uma mudança da história que será contada no futuro. Os meninos de antigamente podiam achar o velho Noel de bom tamanho, mas os do futuro podem não acreditar em alguém que nunca freqüentou uma academia. Além disso, com a consciência ambiental das crianças de agora, quem irá achar legal um cara que explora animais silvestres, gosta de chaminés e instala uma indústria em pleno Pólo Norte?
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