Estou num dilema. Minha passagem aérea diz "Apresente-se em nosso check-in com 1 hora de antecedência" e nem imagino quando é isso. Nunca sei, e olha que tenho viajado um bocado. Se reclamo dos atrasos? Sim e não.
Se o atraso me fizer perder um compromisso, é claro que vou odiar. Felizmente até hoje só tive um ou dois "quase". Fora isso, minha opção pelo humor -- sim, é uma opção que mais gente deveria fazer -- me ajuda a desfrutar das longas estadias aeroviárias. Aprendi a relaxar, o que não é muito, mas já representa 50% das atividades sugeridas pelo Ministério do Turismo para quem viaja de avião.
Aproveito para ler, escrever, cortar o cabelo, engraxar os sapatos, assistir TV, tomar café, almoçar ou jantar, às vezes tudo no mesmo dia. Mas nenhuma dessas atividades se compara ao aerosafari. Não tem gente que se embrenha nas florestas para observar a vida selvagem? Eu faço isso nos aeroportos.
É inacreditável quanta coisa esquisita você vê ali. Com a invenção do celular, então, a coisa ficou ainda mais pitoresca. Se estiver numa sala de espera em um dos primeiros vôos da manhã para alguma capital, esqueça ler ou fazer palavras cruzadas. A falação é demais.
Sinto-me numa Bolsa de Valores. Outro dia tinha um chinês caminhando de um lado para o outro berrando sempre as mesmas coisas, cada vez mais alto. Não sei mandarim, mas deduzi que seu interlocutor também não devia saber.
Nunca entendi por que os homens telefonam andando e as mulheres sentadas. Alguns só conseguem falar de olhos fechados, desenhando no chão com a ponta do pé ou gesticulando para explicar tamanhos e formatos das coisas. Para quem costuma falar com as mãos já existe a opção do celular auricular. Ótimo também para quem costuma falar sozinho e quer disfarçar.
Conversas truncadas aqui e ali servem para eu brincar de quebra-cabeça mental. Como elas nunca têm fim nem começo, sinto-me assistindo a um filme "cult", desses que todo mundo se esforça para fazer cara de quem entendeu.
Mas não é só na espera que dá para relaxar. O embarque também tem seu lado pitoresco. Após um dia inteiro esperando um embarque que só veio à noite, entrei no avião atrás de uma mulher estourando de grávida. Pela tensão do vestido calculei que seu vôo devia estar atrasado desde o segundo ou terceiro mês. Não resisti perguntar à comissária, que sorria na porta:
-- Se nascer agora ela precisa voltar ao guichê e comprar mais uma passagem?
Em outro vôo arrepiei com o despreparo do funcionário. Entrou correndo na cabine com uma mochila na mão, anunciando:
-- Alguém esqueceu na sala de embarque?
Ninguém. Se fosse a bomba que os avisos nos aeroportos dizem para a gente não mexer, eu teria visto uma versão moderna do Cavalo de Tróia. Minha última visão.
Não basta decolar para a diversão acabar. Divirto-me com os sotaques e expressões de gente de todas as cores, línguas e sabores viajando naquela panela de pressão cultural. Outro dia ouvi um passageiro responder a outro, que perguntou de sua bagagem:
-- Amigo, do jeito que as coisas estão difíceis, minha mala é um saco e o cadeado é um nó!
Mas nem todas as expressões têm graça. Antes de atingirmos a altitude de cruzeiro, o comandante escolheu uma expressão das mais infelizes para anunciar isso:
-- Nossa altitude no momento é de 30 mil pés e dentro de alguns minutos estaremos batendo nos 36 mil.
Geralmente não me preocupo com a possibilidade de acidente ou pane no avião, pois ainda é o meio de transporte mais seguro que existe, quando existe. Meu receio fica guardado para o táxi da última etapa da viagem. Mas confesso que uma vez fiquei preocupado sim.
Foi em uma escala em Brasília, onde embarcou um jovem que chamou minha atenção. Não pude deixar de pensar no pior, mesmo sabendo que o mais provável era que ele estivesse a caminho de alguma competição. Parado no corredor ao meu lado, afastou algumas maletas no bagageiro para caber sua mochila, e virou de costas para mim para tirá-la. Foi quando percebi que aquilo não era mochila. Era um pára-quedas.
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