Quando aprendi a ler não queria ser escritor, mas inventor, o que não deixa de ser a mesma coisa, só que diferente. O inventor descreve o que inventa e o escritor inventa o que descreve. O primeiro precisa provar que funciona, o segundo não.
Quis ser inventor de tanto observar o hobby de meu pai, que montava toca-discos e amplificadores com peças que comprava na Rua Santa Ifigênia, em São Paulo. Eu achava que ele inventava aqueles aparelhos nos quais ouvia sua coleção de discos de 78 rpm, geralmente de música clássica ou italiana. Os discos da época eram fabricados de um material chamado goma-laca, e se quebravam como se fossem de vidro.
Eu acreditava que existiam dois tipos de inventores: os que usam muitas coisas para inventar uma, e os que usam uma coisa para inventar muitas. Era este tipo de inventor que eu queria ser. Afinal, que graça tinha inventar um automóvel quando você podia comprar tudo numa loja de autopeças e simplesmente montar um?
Se você acha que montar um quebra-cabeça de quinhentas peças é difícil, imagine criar qualquer coisa usando uma peça só. E se essa peça for um amendoim, o que você seria capaz de fazer? Bem, George Washington Carver fez um monte de coisas a partir do amendoim.
Nos Estados Unidos as pessoas estavam plantando amendoim para recuperar as terras esgotadas pela monocultura do algodão. George percebeu que precisava inventar o que fazer com tanto amendoim. Foi assim que mais de cem invenções saíram de seu laboratório. Adesivos, lubrificantes, tintas, café solúvel, maionese, papel, plástico, creme de barbear, borracha sintética e até verniz ele conseguiu fazer de amendoim.
Sua genialidade era tanta que logo atraiu a atenção de Henry Ford, um entusiasta do biocombustível. Seu primeiro veículo de quatro rodas de 1896 rodava com álcool de cereais, e em 1908 Henry Ford já tinha um "Modelo T" funcionando da mesma maneira. Mas o baixo custo do petróleo na época acabou apagando o fogo do biocombustível.
Mesmo assim, em 1941 George Washington Carver ajudou a Ford a desenvolver um automóvel com a carroceria 30% mais leve e mais durável do que o aço, produzida com painéis de plástico de soja. O combustível e os lubrificantes do carro também eram produzidos a partir de grãos. A revista Time daquele ano chamou o afro-descendente George Washington Carver de "Leonardo Negro", numa alusão a Leonardo da Vinci.
George viveu na época errada. Se vivesse hoje no Brasil estaria lado a lado com o pessoal que anda inventando mil e uma coisas a partir da cana. George teria aperfeiçoado a batida de amendoim e, se cana berrasse, aproveitaria até o berro. O número de produtos que inventaram depois da garapa não pára de crescer. Cada vez que alguém espreme o bagaço acaba saindo mais um, e depois vem outro e transforma até o bagaço em energia ou em alguma outra utilidade.
Infelizmente eu cedo descobri que não me encaixaria em nenhuma daquelas duas classes de inventores, mas em uma terceira. Eu não seria o inventor que usa muitas coisas para inventar uma, como Henry Ford, nem aquele que usa uma coisa para inventar muitas, como George Washington Carver. Minha habilidade estava em usar muitas coisas para inventar um número maior ainda. Pelo menos foi o que consegui fazer quando tentei carregar sozinho a pilha de discos de 78 rpm de meu pai. Quando ele me viu equilibrando a pilha de discos, gritou:
-- Filho, largue os discos!
Eu, obediente, larguei.
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