Se vou falar de política? Não. Vou falar de Rampa. Não, não é a rampa do Palácio do Planalto em Brasília. Vou falar de Rampa, o Lobsang, pseudo-lama que me enganou dizendo que enxergava o que todo mundo não conseguia ver. Não, eu não disse que ele não viu o que todo mundo vê, ao contrário. O lama Lobsang Rampa dizia ter um furo na testa com um terceiro olho, sua "terceira visão".
Não sabe o que é um lama? Não estou falando das notícias de jornal. Bem, lamas são pessoas que vivem em espécies de mosteiros chamados de lamastérios. O lugar onde os ministros ficam não se chama ministério? Então, no Tibet os lamas ficam no lamastério. Tudo bem, você não tem obrigação de saber, porque lama não era uma palavra muito comum por aqui como hoje é.
A primeira vez que ouvi falar em lama foi na década de 70, nos livros de Cyril Henry Hoskins, escritor britânico que dizia que seu corpo havia sido tomado de assalto por um lama tibetano após cair de uma macieira. Foi também a história que ele contou para a mulher quando chegou em casa "valando cum zutaqui diverenti". Cyril disse a ela que agora era Lobsang Rampa, e ela até achou bom, só pra variar.
Eu era adolescente e fascinado por seus livros. Minha ingenuidade sem filtro devorou todos, menos "Minha visita a Vênus", que o editor original não publicou porque achou que Lobsang viajou. Engraçado como não achou o mesmo em "Minha vida com o Lama", escrito pela gata siamesa do monge. Sim, sua gata escreveu um livro. Foi também o que ele disse à esposa, que sua "gata" era um felino de estimação.
Hoje é fácil entender o que tanto me cativava naqueles livros: Promessas de poder. "Sereis como Deus..." foi a promessa da serpente a Eva no jardim do Éden e seu eco não parou até hoje. Lobsang prometia que lendo seus livros eu iria adquirir poder para enxergar o além com uma terceira visão, uma espécie de olho-estepe cravado na testa. Também seria capaz de viajar para onde eu bem entendesse voando por aí em meu corpo astral, e receber um novo mandato caso o corpo titular sofresse o impeachment da morte. Em suma, Lobsang Rampa me prometia um vidão, e eu, tonto que era, promovia seu nome e suas promessas.
E é de promessas que vivemos e de promessas que se sustenta a democracia que, segundo a Wikipedia, teria sido chamada por Aristóteles de "um governo injusto governado por muitos". Ué, então por que reclamamos? Porque às vezes não nos sentimos entre os "muitos" que governam.
Essa amalgamação de barro -- a humanidade -- com o ferro -- o poder -- era o que formava os pés da misteriosa estátua do sonho de Nabucodonosor no livro do profeta Daniel. A cabeça era de ouro, o tronco de prata, os quadris de bronze e as pernas de ferro, representando respectivamente os poderes babilônico, persa, grego e romano. Além dos pés de ferro e lama, que seria a democracia que viria a suceder Roma depois que esta virasse seriado da HBO.
Ferro e barro formam uma liga frágil, como as promessas que nos assolam em vésperas de eleições. Promessas que são reais apenas nas mentes crédulas dos que querem eleger aqueles que as fazem. E aí entra a comunicação dos políticos, tentando tornar reais promessas apenas virtuais.
Os que se saem melhor nessa tarefa são justamente aqueles que mostram, não aquilo que pretendem fazer, mas aquilo que seus eleitores gostariam de ser. Porque o que cada cidadão almeja mesmo é o poder, e quando vêem seu candidato, querem se enxergar nele ocupando um lugar ali. Então os candidatos que tentam parecer que são o que o povo já é não fazem tanto sucesso quanto aqueles que já foram o que o povo é, sem tentar esconder o que hoje são, que é o que o povo quer ser. Leia de novo que você vai entender.
Portanto, não espere que nessa comunicação as coisas sejam lógicas e racionais porque o comportamento humano não é assim. Aviões de luxo, malas de dinheiro, mordomias e poder para comprar e vender corruptos ao seu bel-prazer são ingredientes que fazem parte do aristotélico "governo injusto governado por muitos".
Ok, isto é o mais longe que consigo enxergar em política, portanto não espere que eu diga em quem você deve votar. Com meus antecedentes, sou a pessoa menos qualificada para isso. Afinal, quando jovem eu fui enganado pelo Lobsang Rampa e até acreditei nas promessas que sua gata fazia. Imagine, acreditar que uma gata era capaz de escrever um livro! Desse jeito eu seria até capaz de acreditar que um animal poderia se candidatar.
Hmmmm... pensando bem, até que não seria má idéia, ao menos para facilitar o processo eleitoral. Afinal, os números dos candidatos todo mundo saberia de cor: Avestruz é 1, Águia é 2, Burro é 3, Borboleta é 4...
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