Seria o aquecimento global que causava em mim aquela sensação de derretimento? Ou seria a redução do oxigênio no ar que me deixava tonto? Quem sabe eu deveria culpar a poluição da água pelos pés pesados, o pensamento distante e o olhar vidrado... Ou talvez aquela sensação fosse normal para quem acabava de se tornar avô?
Existe um ritual de passagem quando a gente se torna pai. É uma experiência que deixa você completamente bobo, como eu fiquei quando deixei minha esposa em uma maternidade de Brasília para ter nossa primeira filha e saí dirigindo pela cidade em plena madrugada. Vaguei quase uma hora pelas ruas e avenidas até perceber que não sabia o que estava fazendo. Eu deveria estar no hospital, aguardando o parto, ao invés de ter deixado minha esposa lá como quem deixa a filha na escola e vai para o trabalho.
Comprei uma maçã verde em uma banca de rua, a única coisa aberta àquela hora da madrugada, e voltei ao hospital com a desculpa de que tinha ido comprar uma fruta para ela.
Quase trinta anos se passaram desde o primeiro parto e eu voltava a experimentar esse passar de fase no game da vida. Minha filha, que nasceu em minha fase macrobiótica de bicho-grilo-avesso-a-tecnologia, havia dado à luz um garotão nos EUA — meu primeiro neto — a sete mil quilômetros daqui, mas eu podia ver e escutar seu choro quase diariamente via Skype. Na parte do choro, os sete mil quilômetros até que eram uma vantagem.
Quantas fases eu passei para chegar aqui? Não foram poucas. Quem passa dos quarenta — e eu já passei dos sessenta — deve saber que nada será como antes, e a visão da vida também deve mudar. Até certa idade você corre atrás de dinheiro, sucesso e poder, qualquer que seja sua carreira. Seu relógio anda pra frente. Então, um belo dia, você entra em modo de contagem regressiva. Aí é hora de olhar menos para o cifrão e mais para o significado da vida. E um neto ajuda demais nessa mudança de fase.
É claro que nem todos pensam assim. Muitos preferem mentir o processo natural da vida, numa desesperada tentativa de negar as mudanças de fase. Tinge aqui, estica ali, suga acolá, tentando recuperar os anos perdidos criando filhos, aturando o cônjuge e trabalhando sem parar. Mas, será que foram mesmo perdidos? Se fizer um balanço vai descobrir um saldo positivo. O melhor mesmo é aceitar o processo. Sem completar uma fase você não entra na seguinte.
Existe algo de belo na estação da vida chamada envelhecer. Ou será que você precisa provar que é tão forte, ágil e capaz quanto um adolescente? Eu, particularmente, prefiro observar a natureza dando livre curso ao seu processo. Acho que nada se compara à profusão de cores das folhas de outono no hemisfério norte. Sim, elas estão caindo, mas caem belas para dar lugar às mais novas.
Depois de ter tido filhos e plantado árvores, o seu vigor estará mais para escrever livros ou simplesmente narrar suas histórias ao lado do berço das novas gerações. Elas necessitam desse conhecimento transformado em sabedoria e envelhecido em tonéis de experiência. Isto se a sua meta na vida não for dirigir um carro vermelho, tomar pílulas azuis e ser o tiozão das baladas adolescentes.
Passar de fase é algo que deve ser acalentado, sorvido sem sofreguidão, como fazemos com vinhos caros. Afinal, para que a pressa quando se passou da metade do jogo? Passar de fase é coisa para ser anunciada com orgulho e paixão. Como contou um escritor na entrevista que ouvi no rádio do carro.
Acho que foi Ignácio Loyola Brandão, não tenho certeza. O que recordo bem foi que contou da palestra que fez para 400 pessoas. Antes de iniciar, pediu licença à plateia para manter seu celular ligado, pois esperava uma ligação importante. Na metade da palestra o celular tocou. Ele atendeu, desligou e, voltando-se para a plateia, curiosa por saber que assunto poderia ser mais importante do que sua palestra naquele momento. Então ele anunciou, com voz embargada:
— Meu neto nasceu!
Pela primeira vez na história 400 pessoas aplaudiram de pé a interrupção de uma palestra por um celular.
Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br
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Eu bem que tentei, e até gostei de você. Rápido, seguro, firme nas curvas. Mas acho que estou um pouco velho para novas experiências. Afinal...
Lindo. Verdadeiro
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirLeve, belo e um texto que vou reler sempre, muitas vezes, gostaria de internalizar esta sabedoria, pois sendo bem sincera, observo que para nós mulheres as mudanças de fases tem um peso extra, somos muito cobradas em relação a nossa aparência física entre outras aflições que a idade traz, mas não tenho dúvida alguma da benção divina que é viver o bastante para ver os filhos dos nossos filhos, espero em Deus ter este privilégio.
Mario, como é difícil não ler suas postagens! Você consegue atingir o alvo, seja escrevendo aqui ou em qualquer outro lugar. Obrigado por nos brindaqr com estes presentes preciosos.
ResponderExcluirSuper Mario!
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