Hoje nem pensar em trabalhar, mesmo que o muco em meu nariz insista em exercer seu direito democrático de ir e vir. Estou rouco de tanto protestar e minha bandeira é a favor dos frascos e comprimidos. Caminho resoluto de braços dados com Seu Biom e Dona Coristina. Fui tomar uma colher de CLT mas alguém tirou o vidro do armário. Direitos trabalhistas? Embrulha os direitos e fique com os trabalhistas que não me interessam. Reformas também não. Sou alérgico ao pó.
Meus pulmões — o de esquerda e também o de direita, que trabalham em sincronia — estão ocupados por manifestantes acampados em seus alvéolos. Hoje à noite vai ser canja sorver meus direitos quando eles vierem de colher. Canja de mortadela e papelão acompanhada de pão. Nem me convide para o feriado num triplex na praia ou sítio no interior. Não tenho forças nem para passear de pedalinho. Banho hoje só se for de canhão de água de Brucutu ou bem rapidinho, na lava-jato.
O espelho me diz que sou vermelho e o sofá me convida a viver ali no bem-bom sem trabalhar. Vou passar o dia vigiando a influência nefasta da "TV Globo" que logo deve mudar sua marca para "TV Plana". Na tela, um manifestante sem teto e sem terra atira um coquetel molotov num ônibus. Não se preocupe, ele não vai voltar para casa andando. Quem vai voltar assim é trabalhador que teve o dia descontado. Manifestante anda de Hilux. O que mais vejo na telinha é sindicalista uniformizado trabalhando a todo vapor. Não aderiu à greve, meu filho?
Se você for da turma do "vem pra rua", devo alertar que o que mais tem hoje no país é gente que foi pra rua. Tá todo mundo na rua. E se acha uma heresia eu brincar com sua causa, sua foice e seu martelo, ferramentas que em toda a sua vida você só viu em bandeira em dia de baderna, saiba que existem duas armas imbatíveis em qualquer manifestação: comunicação e humor. Um escritor precisa ser destro em ambas (Oops! Eu disse destro?! Perdoe-me!).
A comunicação (ou a falta dela) é o que começa e termina guerras. Entre uma coisa e outra é que caem as bombas. O humor magnifica a absurdidade de certos comportamentos, e as charges estão aí para provar. Você poderia escrever a história absurda da política de um país só com charges. Mas às vezes é possível encontrar até um político com humor.
Lembro-me de Jânio Quadros, quando seu gabinete foi tomado por manifestantes de uma greve dos Correios. Inteligente, jogou por terra a exaltada prepotência do líder do movimento, ao perguntar: "Qual sua função nos Correios?". O moço encheu o peito e respondeu: "Sou carteiro!". "E gosta de sê-lo?", arrematou o homem da vassoura. O século seguinte foi de silêncio na sala enquanto os neurônios manifestantes tentavam processar o que tinham acabado de ouvir.
Mas no meu caso são meus neurônios que pedem um chá de gengibre com mel e limão para continuarem funcionando. Então, como um genuíno manifestante doente de esquerdopatia crônica debilitante, hoje só quero direitos, nada de deveres. E amanhã também. Mas não pense que abri mão de minha ideologia. De jeito nenhum. Tomado de um sentimento comunista estou disposto e pronto a dividir tudo com todos. Dou um vírus para você, outro para você, outro para você...
IGUALDADE PARA TODOS! MINHA GRIPE UNIDA JAMAIS SERÁ VENCIDA!
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