Por que no Brasil vemos políticos que são réus de crimes sendo paparicados por alguns como se fossem santos? Por causa do mito. O marketing estuda a essência do comportamento humano, as necessidades, desejos e expectativas de pessoas que funcionam à base de combustíveis tangíveis, mas também de intangíveis, como estima e auto-realização. Já viu automóvel Flex-Fuel? Somos assim. E em nosso tanque cerebral há lugar para um aditivo poderoso: o mito.
A imprensa intelectual pode denunciar os companheiros satélites de um presidente, a sociedade pode execrá-los. Mas o presidente fica incólume porque é um mito. Seus correligionários são ridicularizados por um pingo de dinheiro na cueca, mas o presidente pode tomar banho de champanhe fumando charuto cubano, vestir Armani ou beber Romanée Conti que será aplaudido.
Não é uma questão de certo ou errado, é uma questão de mito; de ser o retirante que virou presidente com todas as mordomias que acompanham o sonho, não importa o preço. Mito barato não é mito. O mito não deixa barato.
Mito é o inacessível que todos querem ser ou ter. Sua força não está numa ascensão lógica, mas na ausência de uma explicação para ter chegado lá; está numa conjunção de fatores mágicos. Toda Argentina tem sua Evita, toda Inglaterra tem sua Diana. Do nada para o tudo.
Assim é Luke Skywalker, adorado mesmo sendo filho de Dart Vader. Assim é Frodo, pequeno, pobre e frágil, conquistando poder e glória sem medida. Assim são as novelas da Cinderela pobre que encontra o príncipe e são felizes para sempre no luxo e opulência. Ou você acredita que um presidente que virasse operário seria admirado? É o contrário que faz o mito.
Nada de novo aí, é como funciona a mente humana. O sucesso que pode ser explicado pela lógica não atrai. Gibis de super-heróis nasceram na grande depressão norte-americana. Não eram heróis porque trabalharam, empreenderam, fizeram academia para desenvolver o físico. Nada disso. Aconteceu uma mutação, um raio cósmico, uma mágica e... "Shazam!", saíram voando.
O mecanismo do mito é o mesmo do bispo cujas malas de dinheiro são tiradas do teto do templo de helicóptero. Propaganda negativa para sua igreja? Nada, propaganda positiva. Uma organização que atrai pessoas menos interessadas na salvação de suas almas do que na salvação de suas finanças jamais seguiriam pastores pobres que viajassem de ônibus com moedas no bolso. Querem ver mesmo helicóptero voando endinheirado.
O mito precisa mostrar a opulência que seus seguidores sonham um dia experimentar. Quem sonha em viajar de jato executivo com malas de dinheiro vai admirar quem viaja assim. Quem sonha em ter uma conta na Suíça ou no Caribe não está preocupado com a origem do dinheiro. É só explicar que foi uma benção de Deus. A imprensa e seus intelectuais podem discordar e espernear, enquanto tomam chopp no boteco ao lado do teatro de papo-cabeça, mas mito é assim.
Mas então por que o povo baba de alegria quando vê um milionário ou empresário sendo condenado? Porque não encarceraram um mito. Empresários não ascendem por mágica. Só admira empresário quem não se enxerga muito longe de lá. Quem se vê a anos luz do sucesso, só admira quem chega lá tomando "Shazam!", por um desígnio dos deuses, um oráculo do Olimpo. Não por empreender, mas por "Um Dia de Princesa" de programa de TV.
Se os faraós não fossem mágicos e não gastassem pirâmides de dinheiro, não seriam venerados pela plebe. Veja a queda da Bastilha e da monarquia francesa. Não teria aquilo demonstrado que a burguesia tem mais é que beijar o tatame? Ora, aquilo foi um mero intervalo para os comerciais na história da humanidade. Quando um mito cai, outro ocupa seu lugar. Veja o que li num site de história:
"Entre 1799 e 1815, a política européia está centrada na figura carismática de Napoleão Bonaparte, que de general vitorioso se torna imperador da França, com o mesmo poder absoluto da realeza que a Revolução Francesa derrubara."
Como diria o carnavalesco Joãozinho Trinta: "Pobre gosta de luxo; quem gosta de pobreza é intelectual".
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