O mestre de obras apareceu na porta do escritório, de chapéu apertado nas mãos e lábios preocupados no semblante. Nem sabia como contar para o arquiteto que alguém fazia uma casa dentro da casa que ele fazia. Uma corruíra, passarinho pequeno, marrom e alegre, resolvera se aninhar no buraco do andaime na parede de um dos quartos. O que fazer?
O arquiteto era meu primo, desses primos que a gente sabe que tem, mas só vai conhecer quando precisa de um favor. E foi por precisar de um emprego que o procurei. Até então me sujeitara a dois estágios, não-remunerados, nos bastidores de outros escritórios de arquitetura. Só para respirar a atmosfera de uma profissão que eu pensava conhecer. Nem sabia o que era um cliente, ou que era uma espécie inteligente. Muito menos, que estava sujeita à extinção.
Trabalhar ali foi descer do Olimpo acadêmico, onde eu sorvia ideologia, para o rés do chão, do cliente e do dia-a-dia. Foi minha chance de aprender que, na teoria, a prática é outra. E o contrário também. E ambas as coisas. Porque atender o cliente — eu iria descobrir — é deixar de enxergá-lo como intruso em minha obra. Como a corruíra que, em minha opinião pueril, devia ser despejada sem pena. Mas eu estava ali para aprender, e aquela seria minha lição de preservação.
O arquiteto chamou o pedreiro e deu asas a um plano rápido no ar. O andamento da obra não seria alterado por causa da corruíra. Nem sua gravidez interrompida. Terminariam o quarto por último, o quarto da Corruíra, agora com "C" maiúsculo. Começava uma ação de preservação que transformaria meia dúzia de pedreiros em atendentes da maternidade improvisada no buraco da parede. Uma insanidade, numa época quando ninguém falava em preservar o meio ambiente. Que ainda estava quase inteiro.
O que ontem era estranho, hoje é padrão. Até empresas sem alma se preocupam em preservar. Por motivos racionais, nem ambientais, nem sentimentais. É simples: se não sobrar ambiente, não sobra cliente. Preservar o natural e investir no social é condição essencial para manter a atividade comercial. Sem clientes saudáveis e abonados, os negócios estão condenados. Quem não enxerga isso mata a vaca leiteira.
Consciência sócio-ambiental virou zelo patrimonial. Coisa de profissional, sem os chiliques de minha juventude de pretenso intelectual. Quem sabe que deve preservar o mercado leva em conta a necessidade de sobrevivência de todas as espécies. Do arquiteto à corruíra, do investidor ao investido. Com os pés no chão, sem parar a obra, nem expulsar o passarinho. Adaptação. É o que preciso aprender, mesmo que seja a duras penas.
Infelizmente é inevitável sentirmos a morte de algumas espécies. Sentimental eu sou, mas não sou demais. Sentimentalismo barato põe tudo a perder. Como vi uma turista fazer, ao tentar ajudar tartaruguinhas recém-nascidas em sua corrida rumo ao mar. Atrasou a maratona, atraiu as gaivotas, e a ninhada virou jantar.
Assim também, preservar dinossauros em uma economia combalida seria uma catástrofe cinematográfica. Tudo mudou e não há mais lugar para lagartixas de vinte toneladas. Sejam elas empresas, estratégias ou profissionais como você e eu.
Incluo-me entre os dinossauros. Personasaurus Rex. Enxergo-me como lixo, na minha idade. Mas reciclado, e pronto para nova utilidade. Só não posso parar de voar, ou descobrem minha idade. Se não me reciclar e reinventar, algum garoto mais dedicado e turbinado me põe na rua. Aí é esperar o caminhão passar, porque não quis me adaptar. Não importa quantos anos eu tenha de janela, se esta permanecer fechada, não vou conseguir voar.
Para que pudesse voar, a Corruíra tinha a janela de seu quarto sempre aberta. As paredes estavam rebocadas, exceto por uma pequena área ao redor do buraco de onde pendiam algumas palhas. Quem construía com tijolos e cimento adaptara o seu ritmo àquela que chocava seus rebentos.
Enquanto isso, eu aprendia. O respeito do mais forte pela necessidade do mais fraco. Longe das páginas dos jornais e das reportagens especiais, alguém fazia uma diferença naquilo que podia fazer. Até as três bolinhas de plumas conseguirem voar pela janela, guiadas pelo trinado da orgulhosa mãe. Então o buraco foi fechado, a obra estava terminada.
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Que linda crônica. Que poesia bonita no mundo de construção. Seria ainda hoje respeitada a mamãe pássaro? Esperemos que sim, para o bem dos que apreciam bolinhas de plumas flutuando no céu. Parabéns!
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