Um dia eu estava na "Big Apple" — não, eu não estava montado numa grande maçã, este é o apelido de Nova Iorque. Tinha ido com minha filha levar um de meus netos a uma consulta médica. Depois de engolirmos uma pizza às pressas no "Perfecto Pizza" da 2479 Broadway, porque americano come pizza no almoço, minha filha disparou em direção ao consultório e eu ainda fiquei fazendo hora para pagar a pizza antes de sair arrastando os pés até um Starbucks empurrando o carrinho de bebê com meu neto menor dormindo nele.
Eu estava sem o meu celular, mas minha filha tinha sido muito clara nas instruções: "Você fica com o Mark ali no Starbucks da esquina e nos espera lá". Saí da pizzaria, olhei para um lado, depois para o outro em busca do tal Starbucks, e nada. Não achei, mas me lembrei de termos passado por um a alguns quarteirões dali, na 2394 Broadway, quase esquina com a 88th Street. Fui até lá empurrando o carrinho a passo de tartaruga porque sabia que a consulta iria demorar.
Chegando lá pedi o maior café que vi no cardápio para beber com conta-gotas e ninguém achar que eu era um homeless querendo acampar no Starbucks. Ou um sequestrador esperando o pagamento para libertar o bebê. Pedi só um, pois não sabia se meu neto de oito meses tomava café.
Nos Estados Unidos eles têm um costume esquisito de não dar café para crianças. Isso começou no início dos anos 20, quando uma empresa lançou um dos primeiros achocolatados e precisava mudar o costume do café com leite que era dado às crianças de manhã. Contrataram alguns médicos para escrever artigos em jornais e revistas falando dos malefícios que a cafeína causava no cérebro infantil, todo mundo acreditou, e logo o café virou veneno e o achocolatado cheio de açúcar e corantes virou herói. No resto do dia as crianças tomavam Coca-Cola.
No Starbucks paguei pelo meu café e olhei em volta em busca de uma mesinha. Nenhuma vaga, só no mezanino, inacessível para um avô empurrando um carrinho. O Starbucks deve ser uma espécie de abrigo para novaiorquinos sem teto, porque nas mesas do térreo e do mezanino só uns dois ou três tomavam café. A maioria conversava, navegava na Internet, cochilava, pintava e bordava.
Se você acha que gente de primeiro mundo é educada, não conhece um Starbucks com todas as mesas tomadas de jovens que podiam ser meus filhos. Então fiquei plantado ali, de pé, tomando meu gigantesco, melado e enjoativo café, cheio de ingredientes que não consegui identificar, e fazendo uma expressão de "Helloow, I am a grandpa with a baby...". Ninguém se tocava. Enquanto isso meu neto, refestelado no carrinho, sorria um sorriso de poucos dentes.
Meu neto aprendeu a sorrir quando nasceu e não parou mais. É só olhar para ele e ele liga seu enorme sorriso que faz a gente desmontar. Só fecha a boca depois de alguns minutos que não tem ninguém olhando, como se fosse um salva-tela.
Aí uma moça desocupou uma mesa e me sentei para dar mamadeira ao meu neto, que já dava sinais de querer trocar o sorriso pelo choro. Nas duas outras mesas do térreo tinha um cara trabalhando no notebook e dois jovens jogando xadrez debaixo de uma plaquinha na parede que dizia: "Preferencial para idosos, grávidas e deficientes". Ainda me faltavam cinco anos para entrar na melhor idade, minha barriga era menos grávida do que é hoje e era capaz de parar de pé sem bengala.
Eis que chega uma mulher que não era nem idosa, nem grávida (ao menos que eu saiba), nem deficiente, mas tinha o pé quebrado e estava de muletas. Ela fez cara de xeque-mate, plantou o pé bom ao lado da mesinha dos enxadristas e ficou esperando cair a ficha deles. "Oops!", disse um, "Vou ver se tem uma mesa vazia no mezanino para a gente ir jogar lá".
Até que enfim o rapaz se tocou e mostrou alguma educação. Subiu ao mezanino, desceu, e disse à mulher: "I'm sorry, no table". E voltou a jogar xadrez como se nada tivesse acontecido. Felizmente o carinha que trabalhava no notebook na mesa ao lado decidiu que tinha terminado o serviço e deu o lugar para a moça de muletas. Mesmo assim enrolou um bocado para enrolar o fio do notebook.
Percebi que na cidade mais famosa do mundo é cada um por si. Se você conseguir sobreviver ali com um pé quebrado e muletas, vai conseguir sobreviver anywhere. O Sinatra podia cantar de New York: "If I can make it there, I'll make it anywhere", mas era melhor ele não vir fazer essas coisas no Brasil. Aqui tem uma lei que obriga as pessoas a darem o lugar para idosos, grávidas, mães com crianças de colo e portadores de deficiência. Ou com o pé quebrado e muletas, obviamente.
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kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk ótimo
ResponderExcluirkkkkkkk ja fiz muito isso
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