TODOS COMETEMOS GAFES, até chefes de estado, al-guns deles pelo simples fato de se candidatarem. No funeral de Charles De Gaulle, Richard Nixon declarou ser aquele um grande dia para a França. Uma vez Jacques Chirac disse que estava contente por receber o presidente do México, Fernando Henrique Cardoso. E Dan Quayle, ex-vice dos EUA, deu tantos foras, que só podia mesmo dizer: “Mereço respeito pelas coisas que não fiz”.
Mas não é só falando que cometemos gafes. Meu tio, fazendeiro, se arrependeu de ter levado um peão para jantar num restaurante de luxo. Primeiro, o homem atacou de garfo e faca aquele rolinho de guardanapo fumegante. Depois, tomou duas colhera-das da lavanda. Em um velório um tipo assim é capaz de assoprar as velas, cantar parabéns e cortar o morto.
Também já cometi outras gafes, além de escrever crônicas como esta. Das férias de infância em Águas da Prata, me recordo do almoço na casa do filho de um rico empresário de São Paulo. Fiz tudo direitinho, imitando o que os outros faziam, até chegar a sobre-mesa: mangas descascadas que os comensais começaram a chupar segurando com as pontas dos dedos. Ainda imitando, deixei de lado os talheres de prata e segurei a lisa com ambas as mãos.
Segurei não, apertei com força para disfarçar as mãos trêmulas. Vupt! Depois de bater em meu pescoço, como bola na trave, a manga fez gol na gola da camisa. O século seguinte eu passei caçando uma manga que fugia sob minha roupa, ao som nada aristocrático das gargalhadas presentes.
Com a tecnologia o dano causado por nossas gafes ganhou um palco. No filme, o palestrante vai ao banheiro com o microfone de lapela ainda ligado, para o delírio da plateia. Como a vida imita a arte, também já fiz isso no intervalo de uma palestra. Felizmente desliguei a tempo, e meu público pôde continuar dormindo sossegado.
O e-mail foi inventado para cometermos gafes a nível global. Não raro esse garoto eletrônico de recados levar a mensagem para a pessoa errada. Ou para a multidão errada. Nos EUA, um relatório médico reservado sobre problemas mentais de quarenta cadetes de uma academia da força aérea, foi parar na caixa postal dos outros 4.400 cadetes. O médico digitou um endereço de distribuição coletiva, ao invés de digitar o e-mail do colega.
Enviar e-mail é como espirrar: você nunca sabe quem irá contaminar. Qualquer um pode, por engano ou má fé, remeter um e-mail seu para todos os habitantes deste planeta. Ou de outro, se a pessoa que você criticou morar lá.
Mas gafes de e-mail são cometidas também por pessoas bem-educadas que desconhecem regras de etiqueta na Internet. Costumo receber e-mails de pessoas que GRITAM COMIGO porque não sabem que escrever com maiúsculas é GRITAR. Outras são rudes em suas brincadeiras, por desconhecerem que a palavra escrita não vai acompanhada da expressão facial que está dizendo: “É brincadeira”.
E boatos, hoax, fake-news! Quanta gente cai e passa adiante! Dinheiro grátis, celular de brinde, vírus letais, roubos de órgãos, crianças doentes. Confira antes de replicar. Cada vez que você passa adiante uma informação falsa, sua reputação vai junto. Se o boato envolver pessoas ou empresas, você ainda corre o risco de sofrer um processo.
Algumas empresas já adotam medidas preventivas para evitar o mau uso de seus endereços corporativos. Uma é a adição, no rodapé da mensagem, de uma nota eximindo a empresa de qualquer responsabilidade caso o funcionário utilize mal o e-mail. Outras procuram instruir seus funcionários para os riscos de se enviar mensagens para a pessoa errada. Quando isto acontece, utilizam uma mensagem padrão que é enviada ao funcionário que cometeu a gafe. Trata-se de uma espécie de puxão de orelha eletrônico.
Recebi, e guardei, uma que dizia assim: “Considerando que o endereço 'todos@......' é distribuído a todos os funcionários da empresa, inclusive diretoria e gerentes, da próxima vez TOME MUITO CUIDADO quando enviar uma mensagem. Envie sua mensagem apenas à pessoa interessada e só envie a outros quando REALMENTE existir interesse coletivo”
Essa bronca chegou à minha caixa postal e não entendi a razão. Escrevi ao remetente perguntando de que se tratava e, no dia seguinte, recebi um e-mail com um pedido de desculpas. Explicava que a mensagem era para ter sido enviada a outro Mario.
Mas algumas gafes podem levar anos para serem produzidas, pois dependem de algo que alguém disse anos antes. Foi o caso do discurso de posse do marechal Castello Branco, primeiro presidente do regime militar em 1964, quando afirmou: "O Brasil está à beira do abismo". Seu sucessor, o marechal Costa e Silva, cuidou de cimentar a gafe em seu discurso anos mais tarde: "O Brasil deu um passo à frente!". Mas ainda viria o general Emílio Garrastazu Médici para arrematar: "Ninguém segura este país!".
Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br
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