No estande de nossa escola o clima era de desolação. Competição desleal, desigual, do outro mundo. Quem iria ligar para as toscas experiências de alguns ginasiais quando podia encher os olhos com a maior atração da feira e de toda uma época? Ao lado do estande da escola, a exposição do consulado norte-americano orgulhosamente apresentava um exemplar de pedra da Lua, trazida pelos astronautas da Apollo na volta para casa.
Era o início da década de setenta e estávamos numa feira científica e industrial em minha cidade. Com a euforia causada pela conquista da Lua, nossos tubos de ensaio e experiências elétricas com lâmpadas e pilhas de lanterna compradas no armazém da esquina não eram páreo para a pedrinha negra, que viajou quase meio milhão de quilômetros ao custo de bilhões de dólares gastos com a corrida espacial.
A enorme fila de curiosos refletia no vidro à prova de balas que protegia a pedra, cercada por policiais fortemente armados. Com tanto dinheiro, organização e poder envolvidos, quem iria se interessar pelas soluções caseiras de meia dúzia de alunos de uma escola do interior?
A ideia de que o caseiro é sinônimo de inferior sempre esteve arraigada em nossa mente. Até a goiabada marca "Peixe" que comi nos EUA pareceu mais gostosa, só porque lá era importada. Isso está mudando. Começamos a buscar por exclusividade, saúde e qualidade de vida. Aí o "feito à mão", a "comida caseira" e a "pamonha fresquinha de Piracicaba, feita com o puro creme do milho" viram slogans de confiança por conta da proximidade e familiaridade.
Mas a desconfiança ainda existe quando o assunto é serviço profissional. Uma amiga arquiteta se queixa de oportunidades perdidas quando os clientes descobrem que seu escritório é em casa. Um amigo, consultor, acha que perderá seus clientes, se fechar a sala comercial, que vive fechada e nunca recebeu ninguém, para partir para o modo home-office. Será preconceito?
Quando produtividade, otimização de recursos e qualidade de vida passaram a fazer parte do vocabulário empresarial, muitos começaram a enxergar o teletrabalho como uma opção inteligente. É claro que há profissões que não devem ser exercidas no lar. Carcereiro, por exemplo.
De um modo ou de outro, hoje todo mundo já faz ao menos parte de seu trabalho em casa, quando leva algum relatório para ler ou uma proposta para digitar. Com o e-mail, até esse leva-e-traz empresa-casa-empresa ficou virtual. É o tele do trabalho.
O home-office ganha prestígio na mente de pessoas e empresas que descobrem que é uma alternativa inteligente — dá melhores resultados com um gasto menor de tempo e dinheiro. Nos Estados Unidos e Europa a prática é prestigiada e bastante difundida. Por aqui, o noticiário tem se ocupado mais com o jail office, a modalidade de home-office que permite controlar toda uma organização a partir de uma cela comum de presídio.
Quando passei a me dedicar ao meu próprio negócio de consultoria, palestras e treinamentos a primeira providência foi alugar um escritório. Mas continuei trabalhando em casa e meses depois ainda não tinha arranjado nem o tempo e nem a vontade para mudar. Paguei a multa na imobiliária, devolvi as chaves do imóvel e continuei em meu bem montado home-office.
Para quem viaja, não faz muita diferença. Com meu notebook, celular e Internet, transformo o quarto de hotel em escritório. Os clientes chegam via Internet e se comunicam por email ou por telefone, cujo atendimento é terceirizado e minha secretária me encontra onde quer que eu esteja. Para todos os efeitos, trabalho sempre na sala virtual ao lado.
É claro que algumas pessoas continuarão avaliando o profissional e seus serviços mais pelo montante investido em instalações do que pela capacidade craniana de suas ações. Geralmente são pessoas resistentes às inovações, que ainda enviam e-mail por fax. Ou pensam que trabalhar em casa é só para quem está mais apertado do que São Jorge em lua minguante.
Mas, o que diferencia um negócio hoje — principalmente serviços profissionais — é a inteligência e a criatividade, que conseguem otimizar processos e fazer aquilo que a sabedoria popular diz da farinha de mandioca, campeã do Fome Zero:
"Esfria o quente, aumenta o pouco,
Engana a fome da gente e enche a barriga do caboclo."
Foi também com inteligência e criatividade que os alunos daquela escola de interior conseguiram roubar a atenção e deixar a pedra lunar em segundo lugar na preferência popular.
Do lado de fora da exposição, trabalhadores abriam um buraco na rua pavimentada de velhos paralelepípedos, quando um aluno tropeçou na pedra solta de uma ideia genial. Ele correu de volta para o estande levando o paralelepípedo que foi logo colocado dentro de uma grande caixa de papelão. Revestida de papel alumínio, e apenas com um furo do tamanho de uma moeda, aquela se transformou na principal atração do recinto. A fila para espiar pelo buraquinho ultrapassou a fila da pedra da Lua.
Quem olhava pelo orifício via apenas um grande paralelepípedo iluminado por uma luz verde, mas saía satisfeito e rindo. O segredo do sucesso ficava por conta do cartaz colocado sobre a caixa, que dizia em letras trêmulas: "PEDLA DA LUA DO CEBOLINHA".
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